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Protestos saem das ruas para Redações americanas e forçam mudanças no país

Argumento foi levantado - sem atentar à ironia da comparação - por uma âncora da Fox News, em meio ao sem-fim de entrevistas do canal direitista com o senador Tom Cotton, que escreveu o artigo veiculado na quarta-feira (3) pelo jornal


Por Folhapress Publicado 09/06/2020
Foto: Flickr/samchills

O New York Times publicou um artigo “by Adolf Hitler” em 22 de junho de 1941, “A arte da propaganda”, e não pode agora renegar o texto de um senador republicano, cobrando intervenção militar contra os protestos, “Envie as tropas”.

O argumento foi levantado – sem atentar à ironia da comparação – por uma âncora da Fox News, em meio ao sem-fim de entrevistas do canal direitista com o senador Tom Cotton, que escreveu o artigo veiculado na quarta-feira (3) pelo jornal.

À sua maneira, resumiu o debate que voltou a ocupar a imprensa americana diante da crise aberta nas redações de NYT, Philadelphia Inquirer, Pittsburgh Post-Gazette e outros, todas refletindo as manifestações contra o racismo no país: Os jornalistas devem ser isentos, não tomar posição? Devem dar voz a todos, mesmo aqueles que ameacem os próprios jornalistas?

Nas duas primeiras redações citadas, a resposta foi, como nas ruas, de proporção espantosa. Centenas ou, no caso do NYT, cerca de mil profissionais se sublevaram nas plataformas usadas internamente, como Slack e Zoom, vazando para o Twitter apesar das restrições dos códigos de conduta.

Contra o artigo de Cotton, tuitaram que ele “põe funcionários negros do NYT em perigo”. Os episódios de violência contra repórteres, sobretudo negros, protagonizados por policiais e Guarda Nacional, já passaram de cem desde o início dos protestos. Um fotógrafo perdeu um olho. Com soldados, seria pior.

Na Fox News, de novo à sua maneira, o senador expôs o conflito: “Vamos ser claros, tudo isso remete ao publisher e sua falta de vontade de enfrentar jovens de 20 e 30 anos formados em palestras sobre justiça social nas universidades”.

O publisher A. G. Sulzberger, que tem 39 anos e assumiu o NYT há dois, de início tentou defender a publicação do artigo, com o argumento tradicional de que é preciso conhecer opiniões das quais se discorda – até para que sejam escrutinadas e vencidas.

Mas pouco a pouco, em seguidas reuniões com os jornalistas em revolta, inclusive uma geral da Redação, foi cedendo e acabou empurrando para a demissão o editor de Opinião, James Bennet, seu amigo pessoal – e nome preferido, especula-se, para comandar a Redação na mudança prevista para 2022.

Justificou com o que chamou de “quebra nos processos de edição”, referência, entre outros, ao fato de Bennet nem sequer ter lido o artigo antes de publicar. Mas o resultado é que a rebelião venceu.

O caso do Inquirer foi imediatamente anterior e semelhante. O jornal publicou uma coluna na terça (2) com o título “Prédios importam também”, contra a depredação de imóveis nas manifestações, fazendo trocadilho com “Vidas negras importam”.

Em meio a abaixo-assinado de jornalistas negros e paralisação, o editor Stan Wischnowski se desculpou pelo título “profundamente ofensivo” e convocou reunião da Redação, que resultou emocional como no NYT, com lágrimas e mais desculpas.

Mas no fim de semana o resultado foi o mesmo. Wischnowski se demitiu, para abrir caminho para mudanças maiores no jornal.

Os casos do Post-Gazette e dos títulos menores Bon Appetit, da Condé Nast, e Refinery29, da Vice, são um pouco diversos, apontando diretamente para episódios de discriminação racial por parte de editores – e o resultado nos dois últimos já foram novos pedidos de demissão.

No NYT e no Inquirer, a edição de textos de opinião foi apelativa, sensacionalista, refletindo a demanda por impacto em mídia social – e também a ausência de profissionais negros no processo.

Enquanto o Inquirer fala agora em acelerar a diversificação da Redação, Sulzberger promete contratar mais profissionais para melhorar a edição de opinião e deve cortar em 20% o volume de artigos, adiantando: “Existem questões fundamentais a serem abordadas sobre a mudança do papel do jornalismo de opinião no mundo digital, e começaremos o trabalho para reinventar o formato do artigo de opinião, para que os leitores entendam por que escolhemos dar relevo a cada argumento.”

No final da mensagem aos jornalistas do NYT, ele quis expressar “claramente”, após ter sido questionado por eles ao longo da semana: “Como instituição, somos contra o racismo em todos os cantos da sociedade”.

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