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O bambu que está colocando em risco a floresta no sudoeste da Amazônia

rata-se de duas espécies de bambu do gênero Guadua, que crescem até 30 metros - mais ou menos a altura de um prédio de 10 andares.


Por Ana Paula Rosa Publicado 26/07/2019

Uma gramínea está causando sérios danos em uma área de mais de 161 mil km² (cerca de três vezes o tamanho do Rio Grande do Norte) no sudoeste da floresta amazônica, nos estados do Amazonas e do Acre e no Peru e na Bolívia. Trata-se de duas espécies de bambu do gênero Guadua, que crescem até 30 metros – mais ou menos a altura de um prédio de 10 andares – e das quais uma única população pode ocupar até 2.700 mil km² (quase duas vezes a cidade de São Paulo, que tem 1.500 km²).

Desde 2010, a densidade dessas plantas na região aumentou nove vezes, o que eliminou 70% das espécies arbóreas e reduziu em 73% a densidade de árvores e em 73% a área basal das matas (ou seja, o espaço que efetivamente as plantas ocupam sobre o solo).

A descoberta foi feita pela engenheira florestal Elaine Dutra Pereira, da Universidade Federal do Acre (UFAC), durante uma pesquisa para sua dissertação de mestrado, apresentada recentemente. “Estudei o problema da expansão do bambu em áreas afetadas pela ação do homem, mais precisamente naquelas em que havia ocorrido exploração de madeira legal, ou seja, o corte e retirada de árvores permitida pela legislação. Mas também pesquisei clareiras abertas por outras razões, como incêndios e secas.”

A pesquisa também mostrou que nas florestas dominadas pelo bambu, a expansão da área ocupada por ele (considerando a situação pré-exploratória em 2010), foi 50% superior no ano de 2011 (um ano após a atividade de retirada de madeira).

Incêndio na área dominada por bambus

“Onde a espécie não era dominante, o crescimento foi 98,9% para o mesmo período”, conta Pereira. “Observamos ainda que o momento crítico de expansão foi logo após a o trabalho exploratório, já que a gramínea se desenvolve bem em locais alterados e nas infraestruturas deixadas pela atividade de manejo, tornando-as locais mais suscetíveis a sua ocupação.”

Pereira conta que no Acre, dentre os 18 tipos florestais identificadas, oito têm o bambu no sub-bosque como elemento florístico principal (dominante) ou secundário (dominado). Elas recobrem mais de 138 mil km² (83,9%) dos 164 mil km² do Estado. “Se desconsiderarmos a área desmatada (10,4% do território em 2017), a gramínea está inserida em 93,7% das florestas no Acre”, diz.

Some-se a essa onipresença da planta outra característica: o rápido crescimento (até 3,4 m por mês durante a estação chuvosa e 1,2 m na seca) e a agressividade para ocupar novos espaços.

“A presença dessas espécies lenhosas de bambu do gênero Guadua nas florestas do sudoeste da Amazônia poderia não ser um problema se elas não fossem tão agressivas no processo de colonização de novas áreas no interior das matas”, diz o botânico Evandro Ferreira, Núcleo de Pesquisas do Acre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), orientador de Pereira em sua dissertação de mestrado.

Combinado com o seu crescimento naturalmente muito rápido – típico da maioria das espécies de bambus lenhosos -, esse comportamento oportunista faz com que o Guadua consiga se estabelecer rapidamente em locais que lhe são favoráveis, como clareiras naturais ou aquelas abertas para a retirada de árvores madeireiras, além de áreas que foram afetadas por incêndios florestais. “Essa combinação de fatores parece conspirar para favorecer a perenidade dessas espécies de gramíneas nas matas da região”, diz Ferreira.

Incêndios

A pesquisadora Sonaira Souza da Silva, também da UFAC, estudou os registros dos incêndios na expansão do Guadua e suas consequências no Acre, num período de 32 anos, entre 1984 a 2016. “O fogo altera, de forma profunda, a floresta, e uma dessas mudanças foi a expansão ou invasão do bambu após o fogo”, diz.

Silva conta que inicialmente ela não acreditava que tamanha expansão do bambu era por causa dos incêndios. “Mas conheci uma propriedade em que o dono conseguiu proteger cerca de um hectare, de um total de 10 mil ha de floresta que foram queimados em 2005, e parte também em 2010”, diz.

Floresta onde há bambu

“É simplesmente incrível ver de um lado a mata preservada com poucos colmos da gramínea (cerca de 600 por hectare) e a queimada ao lado, dominada por muitos (cerca de 5 mil por hectare). Por isso, nossa hipótese é que aquelas afetadas pelos incêndios e em que o Guadua se expandiu não voltem ao que eram antes. Seus efeitos a longo prazo precisam ser melhor compreendidos.”

Há ainda mais uma peculiaridade do bambu, que o torna um causador de problemas nas florestas: suas populações morrem de uma única vez a cada 28-30 anos. Nessa ocasião todos os colmos em áreas de centenas de quilômetros quadrados florescem, frutificam e morrem ao mesmo tempo.

Esse fenômeno tem muitas consequências. A começar por uma profunda alteração na composição florística (de árvores, arbustos, ervas) das florestas, em função das drásticas mudanças que ocorrem nos índices de luminosidade que penetram nelas (muito alto após a morte do Guadua), da elevação da temperatura no interior da mata, da diminuição da umidade relativa do ar e, possivelmente, das camadas superficiais do solo, pois se mais luz e calor chegam até a liteira (folhagem sobre o chão) ela seca mais rápido, assim como a terra.

Com isso, espaços onde a gramínea morreu recentemente são mais vulneráveis a incêndios florestais. “A situação da mata fica tão precária, que, em imagem de satélite, ela se parece com uma área que foi derrubada”, diz Ferreira. “Fiscais do Instituto de Meio Ambiente do Acre me falaram que foram a pontos específicos no interior da floresta pensando que ela tinha sido derrubada ilegalmente, quando na verdade era o bambu que tinha morrido.”

A aparência não é problema, no entanto. Há várias outras consequências dessa morte sincronizada. Se ela ocorre no período mais seco do ano, por exemplo, os restos vegetais podem secar e pegar fogo, que então pode se espalhar para áreas florestais do entorno. Se isso não acontecer, ocorre um problema diferente: o processo de regeneração da mata vai favorecer o crescimento de plantas típicas do início da sucessão florestal (geralmente espécies sem valor comercial, que crescem muito rápido), que se aproveitam do espaço físico aberto e do excesso de luz que chega até o chão pela morte do bambu.

Nessa condição, o crescimento das árvores típicas das florestas primárias é prejudicado e pode nem acontecer, pois essas espécies têm crescimento lento e não suportam excesso de luz. “Quando domina uma região, o Guadua ocupa uma área bem extensa, com poucas plantas de outras espécies perceptíveis”, diz Pereira.

Segundo Ferreira, nas matas sem bambu pode haver até 600 árvores com até 10 cm de diâmetro à altura do peito de um homem. Naquelas em que ele está presente, no entanto, esse número fica entre 200 e 300.

O bambu pode inclusive interferir no aquecimento global. “Se tem menos árvores onde ele domina, teremos menos biomassa vegetal, ou seja, a mata passa a acumular (sequestrar) menores quantidades de carbono”, explica Ferreira. “Além disso, a presença do Guadua e o menor número de árvores muda o microclima florestal, que fica menos úmido (mata mais aberta recebe mais ventilação, que carrega a umidade), mais quente e com maior incidência de luz chegando ao solo”. Essa mudança sutil afeta negativamente numerosas espécies cujas regenerações só ocorrem sob condições de baixa luminosidade e alta umidade.

A exploração sustentável de madeira também fica prejudicada nas florestas com bambus. O modelo de manejo usado hoje preconiza que após uma primeira exploração de árvores com mais de 50 cm de diâmetro, as deixadas para trás, com diâmetro inferior a 50 cm, cresceriam normalmente e então, depois de 30-35 anos, seria possível fazer uma nova retirada de madeira. E assim por diante. “Mas tudo indica que isso não será possível, porque a agressividade do Guadua está interferindo no crescimento normal das árvores”, diz Ferreira. “A diversidade de espécies arbóreas e arbustivas vem diminuindo e haverá menor número de espécies de alto valor comercial (madeira).”

Além disso, estudos de longo prazo que medem o crescimento delas estão mostrando que na Amazônia ele não é o que se previa, o que os planejadores de exploração imaginavam. “Crescendo menos, o ciclo entre uma exploração e outra se estenderá para além de 40 anos”, prevê Ferreira. “Uma mudança e tanto, tendo em vista que alguns profissionais da área de ciências florestais acreditavam em ciclos com até 25 anos.”

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