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De terno e gravata, ‘camelô chique’ faz sucesso vendendo água em cruzamento de SP

Thauã Paulista, 25, é um dos 24,1 milhões de trabalhadores que sobrevivem sem carteira assinada


Por Folhapress Publicado 08/08/2019
Foto: Folhapress

“Áaaagua! O olha a água! Geeeeladinha…”. Ziguezagueando como um bailarino entre os carros, ônibus e motos, o rapaz que passa gritando no asfalto chama a atenção dos motoristas, no cruzamento das avenidas Rebouças e Brasil, duas das mais movimentadas, e perigosas, da cidade.

Sempre elegante, de gravata e tudo, cabelo rente cortado na moda, com uma toalha de garçom no braço, equilibrando sua bandeja com garrafinhas de água, Thauã Paulista, 25, é um dos 24,1 milhões de trabalhadores que sobrevivem sem carteira assinada, segundo a última pesquisa do IBGE.

Na selva de vendedores ambulantes das esquinas de São Paulo, que se alastrou por toda parte com o desemprego, a disputa por espaço é feroz para oferecer panos de prato, mexericas, carregadores de celular, amendoim torrado e fones de ouvido, além de água geladinha.

Quatro anos atrás, Thauã era apenas mais um no meio da multidão de “trabalhadores autônomos”. Certo dia, por conta da bronca que levou de um taxista amigo, por estar malvestido e vender água morna, deu-lhe o estalo. Resolveu mudar de traje e de vida.

“Eu andava de bermuda, camiseta regata e chinelo, como todo mundo aqui. Aí me lembrei que eu tinha um terno preto no armário e resolvi arriscar. Foi uma jogada de marketing, entendeu?”.

Foto: Folhapress

Thauã só coloca paletó nos dias mais frios, mas sempre está de camisa social, calça do terno, colete, sapato fino, avental preto, como os garçons de restaurantes chiques da região, que já lhe fizeram ofertas de emprego, mas ele não quer saber disso.

“Não vou mais conseguir trabalhar para os outros. Aqui eu ganho mais…”.

Agora ele faz parte da nova classe de “empreendedores por conta própria”, como são chamados os sem carteira na televisão, e seu sonho é um dia abrir uma distribuidora de bebidas. “Vou na fé de conseguir, o pessoal me ajuda muito. Tem uns que nem pedem troco por causa do meu marketing. Tem muita classe alta que passa por aqui”.

Nos dias bons, conta que leva R$ 200 “limpos” para casa, descontadas as despesas, o que não é nada mal para quem só estudou até a 5ª série e trabalha desde os 16 anos, quando sua mãe, uma vendedora de planos de saúde, ficou doente.

Foi ajudante de pedreiro e faxineiro numa marmoraria, ganhando salário mínimo. Depois de perder o último emprego, numa fábrica de embalagens de produtos hospitalares, comprou um isopor e foi à luta, iniciou sua carreira de “agueiro” profissional.

Com o sucesso, investiu na compra de um cooler e na adaptação de um carrinho de supermercado para carregar as garrafinhas. Compra a água em Taboão da Serra, onde nasceu e ainda mora, na Grande São Paulo, e repõe o estoque durante o dia numa adega perto da avenida Paulista, onde tem desconto.

A embalagem com 12 unidades sai por R$ 5, que ele revende por R$ 3 cada uma, ou duas por R$ 5 no farol. O lucro é bom, ele não se queixa. Dá para pagar o aluguel de R$ 350 e levar comida para a mulher, que está esperando o segundo filho dele.

Para chegar ao seu local de trabalho, Thauã leva duas horas, depois de tomar duas conduções (sem vale-transporte). Como também não tem vale-refeição, nem qualquer outro benefício trabalhista, nunca tira férias e só não pode ficar doente porque não tem plano de saúde e ficaria sem o seu ganha-pão.

Em compensação, fez amizade com meio mundo e não gasta dinheiro com comida. Come de graça no MacDonald’s, em frente ao farol, “o maior da América Latina”, como ele diz com orgulho. Costuma ficar ali na rua até acabar seu estoque de água, por volta das 19h.

Toda semana, uma freguesa fixa, a dona Maria, que mora num prédio em frente, compra dele dois fardos de água.

“Ela tem filtro de água em casa… Fala que faz isso só para me ajudar… Acredita que agora já tenho cinco ternos em casa que ganhei de presente da minha freguesia?”

Por milagre, Thauã nunca foi atropelado nem ficou doente, apesar de correr o tempo todo entre as brecadas e a fumaça dos veículos.

Naquela esquina, o maior perigo é o “rapa” dos fiscais da prefeitura, que passam de vez em quando para levar todas as mercadorias dos ambulantes. “Pelo menos, não aplicam multas”, diz Thauã.

A seu lado, prestando muita atenção na conversa, está o amigo Damião Alves Cavalcanti, 53, que tem nome de senador, mas é vendedor de amendoim.

Desempregado há sete anos, sem ter nenhum marketing especial, Damião é um ambulante à moda antiga, de avental azul, que também está sentindo os efeitos da crise econômica.

“Já cheguei a vender 100 canudos de amendoim torrado por dia, mas hoje, se vender 30, é muito. Tá feio o negócio, e ainda tem gente que pede desconto. Na minha casa, com três filhos e três netos, só eu levo dinheiro. Se aparecer um emprego fixo, para fazer qualquer coisa, eu aceito na hora. Pode escrever aí”.

Enquanto a situação não melhora, os dois amigos sem carteira assinada fazem “permuta” para uma refeição completa: um dá a água; o outro, o amendoim. E assim eles vão sobrevivendo, um ajudando o outro.

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