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Vilão ou herói? Há 50 anos morria Carlos Marighella

A ALN (Ação Libertadora Nacional), fundada pelo guerrilheiro, foi responsável por assaltos a bancos e carros-fortes e pelo sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, que seria trocado por presos políticos


Por Estadão Conteúdo Publicado 04/11/2019

O grupo de cerca de cem pessoas reunido na alameda Casa Branca, local onde o guerrilheiro Carlos Marighella foi morto pela ditadura militar há 50 anos, celebrou sua memória nesta segunda (4) falando da importância da resistência no cenário político de hoje.

Maria Marighella, 43, neta do fundador da ALN (Ação Libertadora Nacional), maior grupo armado contra a ditadura, falou em “passar a história a limpo” e que seu avô é “inspiração para o que está acontecendo hoje”.

A ascensão da direita no poder, com a presidência de Jair Bolsonaro (PSL), e o clima de polarização no país eram o pano de fundo do ato. “Não vamos aceitar provocações”, advertiu Clóvis de Castro, 80, membro da ALN, já antevendo reações à aglomeração em volta do monumento que marca o local da morte de Mariguella.
Houve apenas um motorista que gritou: “Cambada de vagabundo na cadeia”. De esquerda, o público foi formado por membros do PT, MST, UNE, Levante Popular da Juventude e principalmente por antigos guerrilheiros e ex-presos políticos da ditadura. Houve gritos e discursos pedindo a liberdade do ex-presidente Lula (PT), preso após condenação em processos da Lava Jato, em meio a relatos emocionados de companheiros de Mariguella.

Em geral, os ex-presos políticos avaliaram o momento como difícil e disseram ser preciso organização e força para resistir –também houve defesa de que o governo atual fosse derrubado e de que a mudança não deve ser feita via eleições.
“Há um desejo de interdição do debate político no Brasil. É interditar um candidato, que é o ex-presidente Lula; é interditar uma parlamentar como Marielle; quando você censura as artes. Eles precisam interditar para implementar uma política do terror, do ódio, da miséria. Mas as ideias e as lutas são imortais”, disse Maria.

“Não pode o filho do presidente falar sobre AI-5, porque o AI-5 fere a Constituição, então é inconstitucional. O desejo de apagamento existe e nós vamos fazer o relembramento”, completou.
Maria usava um colar em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março do ano passado. O paralelo entre Marielle e Mariguella também foi feito por Paulo Vannuchi, ex-ministro dos Direitos Humanos.
Ele afirmou que o “momento se tornou gravíssimo e dificílimo”, que “o Estado de Direito não vige mais” e que “o desafio do momento é sintetizado por Mariguella e Marielle”.

Em seu discurso, Maria também pontuou que, além da dor da perda, “há a dor da injustiça moral, de tratá-lo como terrorista”.
Mariguella foi anistiado em 2012. Em 1996, quando o Estado reconheceu a responsabilidade pela morte de Mariguella, encerrou-se um ciclo, segundo Maria.

“O novo ciclo é dizer ao Brasil quem é Mariguella. Há muitos Mariguellas. […] A luta antirracista e antimachista em curso é Mariguella. A cada vez que reinventamos a luta, reinventamos Mariguella”, afirmou.

A viúva do guerrilheiro, Clara Charf, 94, afirmou que “todas as resistências são válidas” e “que a luta só acaba quando acabar a injustiça”.
De cadeira de rodas e vestindo uma faixa vermelha, Charf relembrou o marido como uma pessoa brincalhona e que acreditava que todo mundo deveria ser igual. Instada pela neta a definir Mariguella em uma palavra, não hesitou: “Mariguella”, respondeu.
“Quem defende a ditadura quer apagar a memória. Então é fundamental resgatar sua luta. Ele é símbolo da defesa do Brasil, da democracia, dos direitos do povo”, disse Élida Elena, 30, vice-presidente da UNE.

“Foi uma perda muito grande para os movimentos de esquerda, os que apoiavam a luta armada e os que não apoiavam. Desde os 18 anos, ele dedicou a vida em prol dos trabalhadores”, disse Clóvis de Castro.
Antes de fundar a ALN, Marighella militava no PCB (Partido Comunista Brasileiro). Chegou a ser preso na ditadura de Getúlio Vargas e baleado durante o regime militar.

A ALN foi responsável por assaltos a bancos e carros-fortes e pelo sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, que seria trocado por presos políticos. Mariguella foi morto em 4 de novembro de 1969 por agentes do DOPS, em ação comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, em uma emboscada preparada contra ele.

A cena do crime foi adulterada pelos militares. Mariguella, que estava no banco da frente de um Fusca, foi revistado e colocado no banco de trás antes que pudesse ser fotografado.
Para lembrar os 50 anos da sua morte, estava prevista a estreia de um filme, dirigido por Wagner Moura, em 20 de novembro. A produção teve o lançamento cancelado no circuito comercial brasileiro.

A justificativa foi um contratempo com os prazos e os trâmites exigidos pela Ancine, a agência do cinema nacional que foi ameaçada por Jair Bolsonaro de ganhar filtros em sua gestão.

Inspirado na biografia escrita por Mário Magalhães, o filme acompanha Marighella nos últimos cinco anos de sua vida, do golpe militar de 1964 até a sua morte. Ainda sem data de estreia no país, ele circulou só por festivas de cinema.
Também será lançada uma coletânea de textos de Marighella em novembro. A publicação é da editora Ubu com coordenação de Vladimir Safatle.

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