Usamos cookies e outras tecnologias para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Trigo contaminado com agrotóxico proibido é armazenado em silos públicos

Mesmo com a diminuição na concentração dos agrotóxicos com a passagem do tempo, o estudo aponta que, até a última fase de monitoramento, as quantidades de glifosato e fosfeto continuavam acima das permitidas pelas regras brasileiras


Por Folhapress Publicado 25/11/2019
Divulgação

Cerca de 2.850 toneladas de trigo contaminado com agrotóxico proibido em etapas de produção e acima dos limites permitidos foram encontradas em dois armazéns públicos, um em Ponta Grossa (PR) e outro em Marau (RS).

O primeiro silo é da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). O segundo pertence a uma empresa gaúcha que presta serviços à estatal.
A companhia comprou o trigo contaminado por meio de leilão, em janeiro de 2018. Em uma das medições encontrado no silo de Marau, a quantidade de glifosato chegou a 5,206 mg/kg, cem vezes além do limite de 0,05 mg/kg.

Em Ponta Grossa foi encontrado 1,1 mg/kg de fosfeto de alumínio no início do monitoramento, sendo que o tolerável é 0,1 mg/kg.

A descoberta ocorreu durante estudo sobre perdas no armazenamento, elaborado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). O resultado foi publicado no início de novembro, com base em medições feitas entre fevereiro e novembro do ano passado.

O trigo é da safra de 2017 e provém de produtores da região de Pato Branco, sudoeste do Paraná.

Mesmo com a diminuição na concentração dos agrotóxicos com a passagem do tempo, o estudo aponta que, até a última fase de monitoramento, as quantidades de glifosato e fosfeto continuavam acima das permitidas pelas regras brasileiras.

Para a coordenadora do estudo, Casiane Tibola, no caso da concentração de glifosato, deve ter havido a aplicação do produto na produção na fase de “dessecação” do trigo, o que é proibido. Nesta etapa, o grão já germinou e está prestes a ser colhido. Mesmo assim, tem sido aplicado por produtores para uniformizar a lavoura, antecipar a colheita e preparar o plantio de soja.

“No caso do glifosato, é um problema importante, porque se aplicado nesta fase, os microrganismos do solo não conseguem metabolizar o produto”, aponta.
Agrotóxico mais vendido no mundo, o glifosato vem tendo o uso questionado internacionalmente, já que não se sabe o nível de segurança que ele fornece para a saúde humana. Estudos associam o produto ao câncer e a outras doenças.

Mesmo que não fosse proibido para dessecação, a quantidade encontrada na safra foi cem vezes maior do que a considerada segura para consumo humano. Segundo a Anvisa, uma nova avaliação deve ser feita no caso do trigo encontrado nos silos e, caso a exposição exceda os parâmetros de referência toxicológicos, há um potencial de risco à saúde do consumidor.

“É difícil estabelecer uma relação direta com a saúde humana, mas, a princípio, não tem perigo, já que haverá outras avaliações antes da comercialização. Porém, a depender do nível de agrotóxico encontrado, pode ser recomendada até a incineração”, afirma Casiane.

Letícia Silva, pesquisadora do Observatório da Indústria de Agrotóxicos na UFPR (Universidade Federal do Paraná), aponta que o limite brasileiro estabelecido para esses agrotóxicos é muito menor do que o exigido no trigo importado pelo país.

“É um paradoxo, já que também consumimos esse produto vindo de fora, sem maiores questionamentos”, opina. Há um único produto registrado para ser usado na dessecação do trigo no país, o glufosinato de amônia, que também deve seguir limite de dosagem. O procedimento, no entanto, nem sempre é vantajoso, porque pode antecipar o plantio da soja em apenas poucos dias.

Segundo Casiane, não é possível saber se a aplicação do glifosato foi uma prática de toda a safra, mas aparenta ser pontual. “Mesmo assim, contamina todo o trigo armazenado”, diz.

Também seria praticamente impossível identificar qual dos produtores cometeu a irregularidade, já que a produção foi misturada no armazenamento.
Assim, mesmo com resíduos de um agrotóxico proibido para este fim, os responsáveis pela produção do trigo, ainda armazenado pela Conab nos dois silos, não será multado.

O ministério da Agricultura afirmou que a coleta da Embrapa teve objetivo de monitoramento e pesquisa e não de ação fiscal, por isso não houve autuação do produtor. Se a irregularidade tivesse sido descoberta durante fiscalização, a multa seria de R$ 5.000, mais 400% do valor comercial do produto.

A Conab afirma que providenciou novas análises. “Caso seja confirmada a presença do glifosato, o produto será diretamente vedado ao consumo humano e a Companhia tomará as providências cabíveis”, disse em nota.

“Ainda se demanda ações de boas práticas para convencer produtores que não devem usar agrotóxicos, pois há consequências na qualidade do produto, já que não tem outra etapa (posterior ao armazenamento). Isso faz parte de um convencimento”, destaca Casiane.

Questionado se há ações de orientação aos produtores em relação a aplicação de glifosato na dessecação do trigo, o Sindiveg (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal), que representa os fabricantes de agrotóxicos, afirmou que não comenta sobre produtos específicos.

✅ Curtiu e quer receber mais notícias no seu celular? Clique aqui e siga o Canal eLimeira Notícias no WhatsApp.