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Plantio de maconha para uso medicinal é questão de tempo, diz diretor da Anvisa

Proposta de dar aval ao cultivo de maconha para uso medicinal foi vetada recentemente na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)


Por Folhapress Publicado 19/12/2019
Divulgação

Após ver a proposta de dar aval ao cultivo de maconha para uso medicinal ser vetada na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o diretor-presidente do órgão, William Dib, afirma que uma nova tentativa de aval ao plantio pela sociedade ou Congresso é apenas “questão de tempo”.

Em entrevista à reportagem, às vésperas de terminar o mandato, ele diz que o veto deverá levar a um aumento nas ações judiciais sobre o tema. Dib deixará a agência nesta quinta (19). Seu mandato vai até 26 de dezembro.

“Não regulamentando, a Anvisa não vai poder reclamar se o Judiciário e outras instituições avançarem no plantio desregulamentado e sem garantias mínimas de qualidade e segurança. Torço para que não haja uma progressão geométrica desses pedidos de plantio”, afirma. “Mas o aumento vai acontecer.”

Na última semana, diretores acabaram por rejeitar a proposta por três votos a um, o que, na visão de Dib, mostra que “o poder de convencimento do governo foi eficaz”.

“Os diretores que votaram a favor da consulta pública por unanimidade mudaram de opinião. É normal. Faz parte do processo, e não posso responder por eles. Mas acredito que é questão de tempo para a sociedade ou o Congresso achar caminhos para a regulamentação do cultivo.”

Para ele, porém, os argumentos apresentados para derrubar a proposta eram contraditórios.

“A realidade é que todos os lugares têm Cannabis para uso recreativo. Se não tiver, levam até onde você está, e por um preço extremamente módico se comparar com o da Cannabis medicinal. Além disso, o número de plantios que poderia haver no nosso país não seria significativo diante do número que existe hoje autorizado judicialmente. Não acredito que o Brasil tivesse mais que cinco ou dez plantios.”

O veto à medida foi comemorada por membros do governo. O ministro da Cidadania, Osmar Terra, classificou o veto ao cultivo como “vitória”.

Dib, porém, nega que tenha sido derrotado pelo governo. “Se isso os agradar, ‘ganhamos do presidente da Anvisa’, vou até colocar no meu currículo. Quem sou eu para ser derrotado pelo governo?”, ri.

Apesar do veto ao cultivo, o diretor diz avaliar que a agência deu um passo à frente ao aprovar regras que permitem a produção, registro e venda nas farmácias de produtos à base de Cannabis.

A medida, avalia, deverá estimular pesquisas e dar acesso a produtos mais confiáveis do que aqueles que hoje são obtidos por meio de importação. “Para ser produtor desse medicamento à base de Cannabis, a empresa terá que ter certificado de boas práticas de fabricação, algo que no processo atual não podemos exigir.”

Na visão do diretor, o aumento da oferta e da segurança, porém, não deverá vir acompanhado de uma redução nos preços a curto prazo.
“Não ficará, ao menos nos primeiros anos, mais barato. Como não temos [o insumo], vamos ter que comprar. Se os países tiverem isso sobrando, o preço será mais baixo. Se estiver faltando, pagaremos mais caro. Mas ficaremos na dependência do mercado produtor”, diz ele, para quem o cenário pode mudar nos próximos anos.

“Hoje o custo é caro porque a importação e autorização é individual. A partir de agora, pode trazer um contêiner e colocar em farmácia, e ter estoque. Não podemos garantir agora que fique já mais barato. Mas, na teoria, com o passar do tempo, sim, porque virá em quantidade.”

Já o controle deverá ser semelhante ao que ocorre hoje para medicamentos e demais produtos controlados, com cobrança de receitas do tipo azul e amarela e controle de fraudes, diz. A expectativa é que os primeiros produtos comecem a chegar nas farmácias já no próximo ano.
Ao mesmo tempo em que defende o debate sobre maconha medicinal, Dib diz ser contra outra discussão que ocorre atualmente na agência, ligado a um possível outro aval: o do cigarro eletrônico.

Neste ano, a agência fez ao menos duas audiências públicas para discutir riscos e benefícios desse tipo de produto, cuja venda é proibida no Brasil, de acordo com resolução do órgão de 2009.

Para Dib, a discussão, que envolveu diferentes dispositivos eletrônicos para fumar, nunca poderia ter sido iniciada para o cigarro eletrônico.

Recentemente, os cigarros eletrônicos voltaram ao centro dos debates por causa do aumento de internações, especialmente nos Estados Unidos, por doenças pulmonares graves. No Brasil, já foram relatados três casos suspeitos.

“A questão dos cigarros eletrônicos nunca poderia ter sido discutida, porque é um sistema que é contra a legislação brasileira, é manipulável. Se não permitimos tabaco com sabor, como podemos permitir um cigarro eletrônico maleável, com sistema aberto, em que se pode colocar o que quiser lá dentro?”, questiona.

Ele se refere ao sistema de funcionamento dos cigarros eletrônicos, que usam uma bateria para aquecer uma solução líquida, composta por nicotina, propilenoglicol e aditivos com sabores (e que pode ser manejada pelo usuário).

Ele defende, porém, que haja um debate sobre outro dispositivo eletrônico: o tabaco aquecido, produto que usa uma bateria para aquecer um pequeno cigarro ou bastão e alvo também do interesse de empresas de tabaco. “É outra alternativa, porque ele não é manipulável”, afirma.

“Contra o cigarro eletrônico, existem milhões de decisões e estudos científicos. Os Estados Unidos estão revendo toda sua posição em relação ao cigarro eletrônico. As evidências científicas são extremamente frustrantes. Mas elas mostram que a legislação brasileira tem razão: não pode colocar os dois assuntos juntos, são separados. E nós colocamos junto. Acho que isso foi o nosso erro”, diz ele, para quem outros membros da agência já começam a separar os diferentes tipos de produtos.

Apesar do aceno ao tabaco aquecido, entidades da área da saúde tem dito que não há comprovação de segurança suficiente para nenhum dispositivo eletrônico usado para fumar.

Na última semana, o Inca (Instituto Nacional de Câncer) divulgou um alerta em que cita relatos de acidentes ligados a esses produtos, como explosão de baterias, ingestão acidental dos líquidos usados nos aparelhos e os recentes casos de doença pulmonar severa.
O documento também aponta que a chance de um jovem começar a fumar cigarros convencionais quadruplica com o uso de dispositivos eletrônicos.

Questionado sobre se um eventual aval ao tabaco aquecido não poderia também trazer esses riscos, Dib concorda que é preciso mais estudos. “Não falo em aprovar, mas apenas que é possível discutir”, afirma.

“O que temos que discutir é o seguinte: o tabaco aquecido faz menos mal que o cigarro? Você tem que me provar isso cientificamente. Depois, tem que provar que isso não aumenta a entrada de jovens como fumantes. Estrago por estrago, se o estrago for menor eu já ganhei. Mas a ciência tem que provar isso.”

Prestes a deixar o cargo, ele diz ainda avaliar como positivo o período à frente da Anvisa e diz que ataques à autonomia da agência são “transitórios”.

“Ela [autonomia] sempre passa por algum risco, mas a legislação é clara. Não vejo grandes interferências. Mas depende de quem está aqui de plantão e de quem estiver no ministério”, diz.

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