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Pandemia leva Judiciário a discutir videoconferências

Na maioria das cortes, a videoconferência é mais usada por advogados que acham necessário fazer defesa oral de seus clientes para magistrados


Por Folhapress Publicado 30/03/2020
Foto: TJ-SC

O avanço do novo coronavírus levou tribunais e órgãos da Justiça a discutirem soluções para ampliar o uso de videoconferências em audiências e sessões de julgamento.

Até o início da pandemia, o uso da ferramenta era comum em tribunais como o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), quando até os juízes podiam participar de sessões a distância. Mesmo julgamentos da Lava Jato já foram feitos nesse molde.

Na maioria das cortes, porém, a videoconferência é mais usada por advogados que acham necessário fazer defesa oral de seus clientes para magistrados, mesmo remotamente ou em audiências de custódia que analisam a necessidade de uma prisão.

Neste mês, os cinco tribunais federais instituíram regras sobre como os trabalhos seriam feitos em meio à pandemia, e o TRF-4 foi o que mais abriu espaço para o uso da teleconferência para evitar cancelar os trabalhos.

Houve até a manutenção de uma sessão de julgamento da Lava Jato pela juíza Claudia Cristofani, após um advogado pedir o adiamento para evitar grave risco de contágio pelo coronavírus, porque ela entendia que ele podia fazer a defesa por meio da videoconferência.

No entanto, na quinta-feira (19), o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) suspendeu os prazos de processos e as sessões de tribunais em todo o país e instituiu um plantão extraordinário para a Justiça até o fim de abril –nesse período, só serão julgados casos urgentes.

As medidas do CNJ não valem para a Justiça Eleitoral, mas foi justamente lá onde houve um evento considerado inovador. A sessão de julgamentos do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), na última terça (24), aconteceu 100% por videoconferência.

Juízes, advogados, procurador eleitoral e duas servidoras da corte participaram de casa da sessão remota por meio de um aplicativo de reunião online.
Os julgamentos foram transmitidos pelo canal oficial do TRE-SP no YouTube. Mais de 80 pessoas acompanharam a audiência ao vivo. Segundo espectadores, aquela era uma sessão histórica pelo ineditismo.

“Foi uma excelente forma de realizar a sessão de julgamento neste momento e não interromper a atividade do tribunal. O áudio e o vídeo foram simultâneos e em tempo real, garantindo o debate e participação de todos. Inclusive advogados e o procurador eleitoral sustentaram oralmente de suas casas”, diz a advogada Danyelle Galvão, cuja dissertação de mestrado tratou de videoconferência na Justiça.

Para ela, a solução adotada foi a mais perto do ideal. “Ser transmitido possibilitou a publicidade do julgamento. A partir do momento em que você possibilita que as partes apresentem seus argumentos oralmente e os votos possam ser acompanhados pelas partes e por terceiros, é como se as pessoas estivessem na plateia do tribunal.”

O advogado Ricardo Penteado, que atuou em campanhas presidenciais, diz que a experiência foi boa, mas deve ser restrita ao momento de crise.
“Criar esse sistema em massa acaba exigindo alguns recursos tecnológicos que se pode imaginar que nem todos advogados tenham, como uma conexão razoável pela internet”, diz Penteado.

“As sessões presenciais públicas, que é uma regra, a rigor não foram acessíveis a qualquer pessoa do povo, porque é preciso um equipamento para poder acompanhar. Então, eu não concordaria com a continuação desse sistema, uma vez superados os problemas com o coronavírus.”

A discussão sobre a possibilidade de aumentar o uso de videoconferência após o período de plantão judicial tem sido forte entre juízes, advogados e procuradores, já que não se sabe quanto tempo a pandemia vai durar.

“Cada Justiça tem uma realidade em relação a isso e nem sempre vai ser possível fazer audiência por videoconferência”, diz Fernando Mendes, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).

Ele lembra que, apesar disso, essa pode ser uma solução para audiências urgentes, como em casos de réus presos, que estão “quase impossíveis pela dificuldade de locomoção e restrição”.

Coordenadora da Lava Jato no Ministério Público Federal em São Paulo, a procuradora Janice Ascari tem levantado o debate.

“O TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) terá que bolar uma solução ou desenvolver algum mecanismo para a realização das sessões de forma remota, com as atuais restrições de locomoção de todos”, diz Janice.

“O tribunal tem feito há muito tempo, por videoconferência, sustentações orais de advogados que estão em outras cidades. O advogado vai até a Justiça Federal e fala de lá.”

Caso as restrições de locomoção e contato continuem, um problema é a necessidade de o advogado ou a pessoa que deseje participar de uma sessão ter de ir a um espaço da Justiça Federal para participar da videoconferência. Segundo especialistas, essa é uma questão que as cortes precisam regulamentar internamente.

Criminalistas consultados pela reportagem defendem o uso de videoconferência, mas para situações emergenciais.

“Em matérias urgentes, com réu preso, por exemplo, se não vai ter sessão e o habeas corpus ficar um mês sem ser levado a julgamento, prejudica a defesa. Se a videoconferência for a solução para mitigar esse problema, me parece razoável”, diz Fábio Tofic Simantob.

O presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito a Defesa), o advogado Hugo Leonardo, acha que a possibilidade de usar a videoconferência tem que partir das partes. “Isso é um direito, jamais um tribunal pode exigir que isso seja feito dessa forma”, afirma.

Já na Justiça do Trabalho, desde o dia 25 de março, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho passou a recomendar que os juízes busquem utilizar videoconferências e aplicativos para conciliação e mediação de conflitos envolvendo o coronavírus.

De acordo com Noemia Porto, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), a generalização do uso da ferramenta digital só está ocorrendo para tentar atender a uma situação de excepcionalidade. “É preciso lembrar que a inclusão digital não é uniforme em todo o país, ainda mais quando se trata dos trabalhadores”, afirmou.

Apesar de não haver uma regulamentação para uso de videoconferências na Justiça do Trabalho, em audiências de conciliação as partes do processo já poderiam solicitar seu uso por meio do aplicativo, o JTe. Segundo Porto, as conciliações feitas por meios virtuais eram exceção.

O juiz Ronaldo Callado, diretor da Anamatra, diz que há juízes que aceitam ouvir testemunhas no exterior ou em outros estados por videoconferência, mas não é possível realizar a audiência inteira de forma virtual.

Callado diz que para a audiência remota ser válida é preciso ser regulamentada, o que ainda não foi feito. Ele diz que os TRTs não estão preparados tecnologicamente para isso.

Além disso, estender o uso desse tipo de ferramenta para além das audiências de conciliação é visto com ressalvas pelos advogados trabalhistas.
Para Caroline Marchi, tomar depoimentos de testemunhas fora do ambiente do tribunal pode ser prejudicial ao processo. “Não sei quanto macula o próprio depoimento”, disse.

Para Fabio Medeiros, seria conveniente pensar em audiências virtuais, mas é preciso se certificar de que os advogados têm infraestrutura suficiente.

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