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Mãe de vítima de Brumadinho sonha com ossos para enterrar

Mesmo tomando remédios, o sono não é mais de descanso. "Eu não sei nem como eu estou; Estou esperando ele voltar".


Por Folhapress Publicado 25/07/2019
Leo Fontes

Iolanda de Oliveira Silva, 49, caminha por cima da lama despejada no rompimento da barragem B1, na mina Córrego do Feijão. Vê homens de branco, que não são bombeiros, fazendo buscas, como ela.
De repente, ela para e grita: “Aqui tem osso, olha um ossinho, achei a camisa dele”. Mais um dos sonhos que teve nos últimos seis meses esperando notícias do filho Robert Ruan Oliveira Teodoro, 19.
“[Minha família disse] que um dia desses eu danei a gritar à noite: achei ele, achei ele, ele está aqui!”, conta ela. Mesmo tomando remédios, o sono não é mais de descanso. “Eu não sei nem como eu estou”;Estou esperando ele voltar”.

Robert está entre as 22 pessoas ainda desaparecidas na tragédia de Brumadinho. Os “sem contato” para a Vale.

Além dele, as famílias esperam notícias de Angelita, Aroldo, Carlos Henrique, Cristiane, Elis Marina, João Marcos, João Paulo, João Tomaz, Juliana, Lecilda, Luciano, Luis Felipe, Maria de Lurdes, Max Elias, Miraceibel, Nathalia, Noel, Olímpio, Renato, Tiago e Uberlândio.

O cruzamento de dados feito pelos bombeiros, com entrevistas, sinais de celular e objetos já resgatados, dá uma ideia aproximada do lugar onde cada um estava na hora do rompimento. Não há previsão para o fim das buscas.

Falando do filho, volta e meia Iolanda olha para o portão da garagem. Foi ali que viu Robert pela última vez, em 25 de janeiro. Ele estava mexendo no telefone quando bateu o portão e foi pegar o ônibus.

Dois meses e quatro dias antes, o jovem tinha vivido uma tragédia. O irmão gêmeo, Richard, foi assassinado pelo namorado da sogra. Robert encontrou o irmão caído na rua, cinco tiros nas costas, um na cabeça.

Eram inseparáveis. Jogavam bola juntos em Melo Franco, distrito de Brumadinho. Tinham o mesmo grupo de amigos. Dividiam as roupas, correntes, bonés. Frequentavam a mesma igreja evangélica com a mãe. Conseguiram o primeiro emprego juntos na Preserves, terceirizada da Vale, em 2018, e iam juntos para a mina Córrego do Feijão.

A notícia da gravidez de gêmeos para Iolanda, que já era mãe de três, foi um susto. Mas os dois meninos não deram muito trabalho, diz ela. Quando tinham cinco anos, a família sofreu um golpe duro: a morte do filho mais velho, Michael, 16, por leucemia.

Mais tarde, sem Richard, Robert entrou em depressão. Começou a tomar remédios, pediu para a mãe para deixarem a zona rural e mudarem-se para Brumadinho. Tudo lembrava o irmão. Ela atendeu.
Três dias antes da sexta-feira do rompimento, Iolanda tinha conseguido crédito para ajudar o filho a comprar um carro. Robert estava fazendo auto-escola. “Como saiu a esmola que eles deram, de R$ 100 mil, eu fui lá e comprei esse carro para a realizar o sonho dele. Já que eu não pude realizar em vida, realizo depois de morto”, diz ela, mostrando um Fiat Adventure na garagem.

Pelo carro, ela foi criticada. Iolanda conta que as pessoas acham que ficou rica, que está bem. Apareceram no portão de sua casa oferecendo casa para comprar. Ela nem foi atrás da indenização trabalhista a que tem direito pelo acordo entre a Vale e o Ministério Público do Trabalho.

“A Vale foi engolindo os trabalhadores todos vivos. Já tinha feito a contagem dos valores, para poder levar cada um, que não valia nada para ela”, diz se referindo ao estudo para caso de rompimento.
“Eu, se pudesse não fazer [acordo], não fazia, mas a Vale acabou comigo e com muitas famílias. Ela merece ser penalizada. Se eu pudesse tirar tudo dela, eu tirava”.

Iolanda diz que, vinte dias antes da tragédia, o filho chegou em casa contando que estava vazando água da barragem. Funcionários da Vale também relataram vazamentos para a CPI da Assembleia Legislativa de MG.

No dia 25, às 13h, Iolanda, que é empregada doméstica, estava trabalhando na casa dos patrões. Às 17h, iria até a rodoviária para entregar a sacola de lona preta do filho, que ele levaria para a casa da namorada no fim de semana.

O telefone tocou com a filha avisando que a barragem havia rompido. “Falei: o Robert foi embora. Foi o horário que ele foi almoçar. Acaba tudo para a gente, o mundo acaba”.

A mãe correu atrás de notícias. Quando via ônibus chegando com funcionários da Vale, achava que ia ver o rosto do filho. Pegou um segurança, que estava todo arranhado, pela camisa, e pediu, por favor, qualquer notícia.

A espera já leva seis meses. Iolanda não sai de casa à espera do aviso de que o filho foi encontrado. Sofre pensando que não vai poder vê-lo no caixão, como foi com os outros dois.

Conta com dor sobre conhecidos que enterraram apenas partes dos familiares –braço, perna, mão– o que mostra a violência da onda de lama. Os caixões leves, quase vazios, são comuns nos enterros ali. Segundo a Polícia Civil, só 79 corpos foram encontrados intactos –são 248 mortos além dos 22 desaparecidos.

Iolanda quer enterrar o filho e ir embora. A mãe dela, Efigênia de Oliveira Silva, 69, ainda vive lá. Todos os fins de semana ela vai para a casa da filha para cozinhar e fazê-la comer. “Em casa, eu fico lá e não tenho expediente de mexer com nada. Lavo uma roupa, saio lá fora e só penso que tristeza que está o lugar”, diz.

O filho dela, tio de Robert e funcionário da Vale, largou o turno às 7h naquele dia e escapou. Robert brincava de pedir o uniforme dele, com a logo da empresa, para tirar foto, diz Iolanda. Ele pensava em estudar engenharia de mineração para um dia trabalhar lá e dar uma vida melhor à mãe.

O celular, onde guarda as fotos do filho, Iolanda não larga. Fica olhando para uma delas, em que ele está feliz, um dia antes da morte. Na angústia da espera prolongada, sobre os homens de branco do sonho, ela diz: “Tomara que sejam anjos que apareceram para encontrar ele, né?”.

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