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Em meio a surto de coronavírus, orientais no Brasil relatam preconceito e desconforto

Por enquanto a orientação nos grupos de chineses que vivem em São Paulo é de não usar máscaras para não assustar as pessoas na rua


Por Folhapress Publicado 03/02/2020
Paulínia registra o primeiro caso suspeito de coronavírus
Foto: Fepesil/Thenews2/Folhapress

Marie Okabayashi de Castro Lemos, 23, é estudante de direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e descendente de japoneses. Na linha 1 do metrô, no Rio de Janeiro, ela foi xingada de “chinesa porca” por uma mulher.
A situação mostra o preconceito e o desconforto que já começam a ser vivenciados pela comunidade oriental no Brasil conforme cresce no mundo o surto do novo coronavírus chinês, que já causou, até domingo (2), 362 mortes e mais de 17 mil infecções.

“Ela falou que eu ficava espalhando doenças para todos e me chamou de nojenta. Teve um momento em que eu já estava indo para a escada rolante e ela ficou me acompanhando pela janela do metrô e me mostrando o dedo do meio, aparentemente berrando várias coisas. Ela estava em total estado de fúria e descontrole apenas com a minha presença”, disse.

A estudante conseguiu filmar algumas das ofensas com o celular. No Twitter, Lemos conta que, antes de começar a gravar, ouviu a mulher dizer coisas como “quando eu vejo um chinês eu atravesso a rua”, “não compraria uma coca fechada desse povo, porque eles contaminam tudo”, “os coreanos, tailandeses e esse resto também são um horror, invadem nosso país, roubam os empregos do nosso povo e espalham doenças”.

Em São Paulo, a professora de mandariam Si Liao, 32, que vive em São Paulo desde 2011, queria comprar máscaras descartáveis para guardar em caso de necessidade, mas não teve coragem de ir à farmácia. Ela teme a reação das pessoas devido ao surto do novo coronavírus. “Li que nos Estados Unidos as máscaras estão acabando e quis comprar uma para mim. Mas tenho medo de entrar na farmácia e, por ser chinesa, as pessoas acharem que eu tenho o coronavírus”, afirma.

Na capital paulista, as farmácias já estão sem estoque de máscaras. A solução foi comprar uma caixa pela internet.
Segundo ela, por enquanto a orientação nos grupos de chineses que vivem em São Paulo é de não usar máscaras para não assustar as pessoas na rua.

Aqueles que voltam agora de uma temporada no país de origem estão seguindo as orientações de ficarem em casa por duas semanas, mesmo sem apresentar sintomas. “Eu também fiquei com um pouco de medo, mas todo mundo está colaborando”, diz.

A professora, que tem um canal no YouTube voltado para brasileiros, já publicou quatro vídeos com informações sobre o coronavírus. Ela estudou em Wuhan, epicentro do surto da doença, e diz que está preocupada com os amigos e parentes que vivem na região. “As pessoas estão tendo que ficar dentro de casa, saem só para comprar comida. Eles disseram que a situação está grave, mas com eles por enquanto está tudo bem.”

Sisi, como é conhecida, disse ainda que a comunidade chinesa paulista está se organizando para comprar máscaras e enviar como doação para a China, mas há barreiras. “O preço das máscaras aumentou e em várias cidades da China não tem mais frete internacional. Estamos vendo como podemos fazer.”

Na centro da capital paulista, o condomínio Meridian divulgou na última semana um comunicado interno pedindo que os moradores chineses que voltaram recentemente da China “procurem evitar contato com outras pessoas durante duas semanas”.

A medida foi tomada antes mesmo de a Embaixada da China no Brasil recomendar que cidadãos chineses que viajaram ao país fiquem em suas casas durante esse período, para impedir uma possível disseminação do coronavírus.

O comunicado foi escrito em português e em mandarim. “Esse foi um caso à parte, normalmente os comunicados são feitos em português”, explica Gisele Guimarães Pires, gerente responsável pelo Meridian.

Pires disse que o síndico solicitou o informativo à administradora Loyd e insistiu na sua divulgação mesmo após ressalvas da empresa de que o texto elaborado por ele pudesse ser mal interpretado.  “O síndico fez o pedido à administração predial devido à alta quantidade de chineses no prédio. Nós alertamos que poderia haver algum tipo de preconceito, mas ele insistiu. O comunicado é mais para alertar, tentamos não dizer que é por culpa deles [chineses]. Eu tinha feito um texto mais genérico, falando da doença, com informações de outros jornais, mas ele mandou esse texto e pediu para usar o que mandou”, afirma.

A Folha tentou contato com o síndico do condomínio Meridian, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Enquanto o mundo assiste ao aumento de relatos de discriminação racial contra asiáticos e descendentes de orientais, no Brasil comentários provocaram a reação de usuários que lutam contra o preconceito contra orientais e seus descendentes.

O youtuber católico Bernardo Küster, seguidor de Olavo de Carvalho e diretor de opinião do portal de direita Brasil Sem Medo, compartilhou em seu Twitter uma montagem feita com uma ilustração do cartunista e ilustrador surrealista Joan Cornellà.

Publicações como a de Küster têm constrangido chineses e descendentes que vivem no Brasil, segundo Sisi. “Eu vi muito preconceito na internet. Comentários muito tristes. Eu estou tossindo, mas evito tossir em público porque tenho medo que as pessoas me vejam, com cara de chinesa, e pensem que estou infectada”, disse em vídeo publicado no seu canal, o Pula Muralha.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) classifica orientais e seus descendentes, com base em autodeclarações, como amarelos. De acordo com o Censo populacional de 2010, os amarelo representam 1,1% da população brasileira urbana e rural, o equivalente a pouco mais de 2 milhões de pessoas.

Em países que já tiveram casos da doença confirmados, o preconceito ganhou força. Na Malásia, por exemplo, uma petição assinada por mais de 400 mil pessoas até a última quarta (29) pedia que a entrada de cidadãos chineses no país fosse banida.

No texto que acompanha a petição, os criadores culpavam o “estilo de vida sem higiene” dos chineses pelo espalhamento do vírus. Petições similares surgiram em Singapura e na Coreia do Sul.

No Canadá e na França, comunidades chinesas criaram campanhas em redes sociais para combater a discriminação. Asiáticos na França usaram a hahtag  #JeNeSuisPasUnVirus (eu não sou um vírus) nas redes sociais para identificar casos de abuso e discriminação.

Não há registros de casos no Brasil, mas o Ministério da Saúde investiga 12 casos suspeitos de coronavírus, sete deles em São Paulo, dois no Paraná e um caso em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará.

Em São Paulo, o governador do estado, João Doria (PSDB), e o prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), anunciaram um plano de ação para a eventual confirmação de casos do novo coronavírus.

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