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Em decisão judicial, Fux, do STF, diz que Forças Armadas não são poder moderador

Resposta é para ação apresentada pelo PDT contra "eventual intervenção militar"


Por Folhapress Publicado 13/06/2020
Foto: José Cruz/Agência Brasil

O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), delimitou, em decisão judicial, a interpretação da Constituição e da lei que disciplina as Forças Armadas para esclarecer que elas não permitem a intervenção do Exército sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo nem dão aos militares a atribuição de poder moderador.

Em resposta a uma ação apresentada pelo PDT contra “eventual intervenção militar”, o magistrado deu uma decisão liminar (provisória) para estabelecer que a prerrogativa do presidente da República de autorizar emprego das Forças Armadas não pode ser exercida contra os outros dois Poderes.

“A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao presidente da República”, afirmou o ministro, que assumirá em setembro deste ano a presidência do STF.

A decisão representa mais uma reação do STF a movimentos ligados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que pedem o fechamento da corte e do Congresso. Apoiadores do chefe do Executivo alegam que o artigo 142 da Constituição prevê a possibilidade de intervenção militar.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a afirmar em uma entrevista que as Forças Armadas poderiam agir se “um poder invade a competência de outro”. Depois, porém, soltou uma nota para afirmar ter sido mal interpretado.

O PDT, então, resolveu acionar o STF contra o dispositivo constitucional. Na ação, também contesta trecho da lei 97/1997, que disciplina as Forças Armadas e repete o trecho da Constituição.

Ambos os textos preveem que as Forças Armadas estão sob “autoridade suprema do presidente da República e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

No despacho, Fux aponta qual é a interpretação correta para a Constituição e submete a decisão ao plenário da corte.

“O emprego das Forças Armadas para a ‘garantia da lei e da ordem’, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais Poderes, na forma da Constituição e da lei”, diz.

Sob desgaste em meio à pandemia do coronavírus, Bolsonaro atacou dois ministros do Supremo -Alexandre de Moraes e Celso de Mello- por medidas que considerou afrontar a independência entre os Poderes.

Entre as queixas do presidente estiveram a decisão de Moraes de barrar a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo do clã Bolsonaro, para comandar a Polícia Federal e a ordem de Celso de Mello para divulgar a gravação de reunião ministerial de abril após acusações do ex-ministro Sergio Moro.

Decano do STF, Celso de Mello disse que a ameaça de Bolsonaro de descumprir decisões judiciais configuraria “gravíssima transgressão”, podendo representar crime de responsabilidade.

A decisão tomada por Fux nesta sexta está alinhada com o atual presidente da corte, ministro Dias Toffoli, que criticou o argumento de bolsonaristas sobre o artigo 142 da Constituição.

“Não há lugar para quarto poder, para artigo 142 da Constituição. Forças Armadas sabem muito bem que o artigo 142 não lhes dá [classificação] de poder moderador. Tenho certeza de que as Forças Armadas são instituições de Estado, que servem o povo brasileiro, não são instituições de governo”, afirmou Toffoli no último dia 9.

Para conceder uma decisão liminar antes de o processo ser analisado pelo plenário da corte, a lei define que precisam estar presentes duas hipóteses:o fumus boni juris, a chamada “fumaça do bom direito”, que indica se a ação alegada é plausível; e o periculum in mora, ou seja, o perigo de dar uma decisão tardia sobre o caso.

Após a decisão, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma nota em que diz que Fux, com a liminar, “bem reconhece o papel e a história das forças armadas sempre ao lado da democracia e da liberdade”.

A nota é coassinada pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Nela, o presidente “lembra à nação brasileira que as forças armadas estão sob a autoridade suprema do presidente da República, de acordo com o artigo 142 da Constituição Federal.

“As mesmas destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, acrescenta.

“As forças armadas do Brasil não cumprem ordens absurdas, como por exemplo a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”, afirma.

Na decisão desta sexta, Fux alega que a pressa é necessária porque as “circunstâncias sociopolíticas subjacentes, sobretudo em tempos de crise revelam o perigo da demora veiculado”.

Fux também afirma que as Forças Armadas são compostas por órgãos de Estado, e não de governo, e estão “indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político”.

No começo de maio, ao participar de manifestação a favor do governo em frente ao Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que os militares estão com o povo.
“Tenho certeza de uma coisa, nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade”, disse.

Segundo Fux, a interpretação do dispositivo constitucional que dispõe sobre as Forças Armadas “imprescinde de uma leitura sistemática da Constituição”.
Fux cita parecer da Câmara dos Deputados, que disse que a autoridade do Presidente da República “é suprema em relação a todas as demais autoridades militares mas, naturalmente, não o é em relação à ordem constitucional”.

A liderança do chefe do Executivo sobre o Exército, ressalta o ministro, está relacionada apenas às balizas de hierarquia e de disciplina que envolvem a conduta militar

“Por óbvio, não se sobrepõe à separação e à harmonia entre os Poderes, cujo funcionamento livre e independente fundamenta a democracia constitucional, no âmbito da qual nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição”, disse.

Fux argumenta que a decisão “tem caráter meramente explicativo” e não reduz os poderes do presidente da República.

A independência entre os Poderes prevista na Constituição deve ser preservada pelos mecanismos institucionais de freios e contrapesos, e a expressão “garantia dos poderes constitucionais” do artigo 142 não comporta interpretação que admita o emprego das Forças Armadas para a defesa de um Poder contra o outro, resume Fux.

“Inexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização”, diz.
Caso a interpretação que bolsonaristas fazem das leis estivesse correto, Fux afirma que o Executivo seria um “superpoder” e imunizaria o presidente de responder por crimes de responsabilidade.


O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO SOBRE AS FORÇAS ARMADAS

– “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

– Além disso, lei complementar de 1999 prevê, de modo compatível com o papel estabelecido na Constituição, a participação de militares em operações de paz, reforço à polícia de fronteira, cooperação com a Defesa Civil, entre outras ações.

Notas recentes do Ministério da Defesa:
– 20.abr
“As Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal. O momento que se apresenta exige entendimento e esforço de todos os brasileiros. Nenhum país estava preparado para uma pandemia como a que estamos vivendo. Essa realidade requer adaptação das capacidades das Forças Armadas para combater um inimigo comum a todos: o coronavírus e suas consequências sociais. É isso o que estamos fazendo.”

– 4.mai
“As Forças Armadas cumprem a sua missão constitucional. Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do país. A liberdade de expressão é requisito fundamental de um país democrático. No entanto, qualquer agressão a profissionais de imprensa é inaceitável. O Brasil precisa avançar. Enfrentamos uma pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis, que requer esforço e entendimento de todos. As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso.”​

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