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Dois meses após 1ª morte por Covid-19, Brasil é cenário de pesadelos

Naquele dia, as instituições financeiras consultadas pelo Banco Central haviam revisado suas projeções de crescimento da economia brasileira neste ano para 1,68%


Por Folhapress Publicado 16/05/2020
Crédito: Arte Educadora

O país em que Manoel Messias Freitas Filho viveu não existe mais. Ao menos, não do jeito que ele conhecia. Primeira vítima da Covid-19 no Brasil, o porteiro aposentado morreu no Hospital Sancta Maggiore, da Rede Prevent Sênior, no Paraíso, zona sul de São Paulo. Entre os primeiros sintomas e sua morte, seis dias se passaram.

Em 16 de março, o ministro da Saúde era Luiz Henrique Mandetta, o Brasil tinha 200 casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus. A Itália, então epicentro da doença, tinha número de registros 140 vezes maior: 27.980.

Dois dias após a morte de Manoel, em 18 de março, seu pai, de 83 anos, sua mãe, de 82, um irmão e uma irmã também foram internados com sintomas da Covid-19. Só um irmão não fora contaminado.

O pai e o outro irmão do porteiro aposentado não resistiram e morreram infectados pelo novo coronavírus. Assim, em menos de uma semana, a família de seis pessoas foi reduzida à metade.

O país em que Manoel viveu amanheceu no dia de sua morte, uma segunda-feira, com a seguinte manchete no jornal Folha de S.Paulo: “Bolsonaro ignora vírus e vai a ato contra Congresso e STF”. A reportagem mostrava que no dia anterior, o presidente da República contrariou as orientações de todos os especialistas, e a sua própria, e entrou em contato com a população sem nenhuma proteção.

Naquele dia, as instituições financeiras consultadas pelo Banco Central haviam revisado suas projeções de crescimento da economia brasileira neste ano para 1,68%.

O Brasil tinha, segundo o IBGE, 12,8 milhões de desempregados, índice perto de 12%. Programas de auditório e novelas continuavam a ser gravados e preencher a grade da TV. Algumas escolas fechavam as portas, prevendo reabrir em duas semanas, para evitar contaminação.

Na semana seguinte ao protesto e à morte de Manoel, na terça-feira, 24 de março, passaria a vigorar no estado de São Paulo uma quarentena que mudou a vida de seus habitantes ao mantê-los em casa e deixar apenas atividades comerciais consideradas fundamentais abertas.

No mesmo dia, o presidente da República criticou, em pronunciamento de rádio e televisão, governadores e a imprensa pelo o que considerou um clima de histeria implantado no país. Naquele dia, Bolsonaro referiu-se à doença como “uma gripezinha”.

No final daquele mês, a Secretaria da Municipal de Saúde de São Paulo pediu uma intervenção imediata de três hospitais da rede Sancta Maggiore, que concentrava 79 mortes por Covid-19 –a do porteiro aposentado entre elas. “Estou estudando como, mas devemos entrar com duas ações. Uma contra o hospital e outra contra o estado” diz o advogado da família, Roberto Domingues Júnior.

A rede, que conta com oito hospitais em São Paulo, nega as irregularidades.
O país em que Manoel viveu assistiu, após a sua morte, a emissão de sinais trocados entre o presidente e seu ministro da Saúde. Defensor da quarentena vertical, apesar da falta de embasamento científico, Bolsonaro enxergava em Mandetta um obstáculo.

Exatamente um mês depois da primeira morte por Covid-19 no Brasil, o presidente demitiu Mandetta e anunciou o oncologista Nelson Teich no cargo. Economistas já esperavam então que o PIB encolhesse quase 3%. A FGV previa que os desempregados chegassem a 17 milhões no fim do ano. Nos auditórios já não havia plateia. As escolas faziam planos para não reabrir no semestre. Shoppings e restaurantes eram lembranças.

Havia, então, mais de 30 mil casos confirmados da doença e 1.924 mortes causadas pela Covid-19 no país. Em São Paulo, a UTI do principal centro de infectologia no hospital Emílio Ribas, já estava com 100% de seus leitos ocupados.

Dois meses após a morte do porteiro, neste sábado, 16 de maio, o Brasil tem 14.817 óbitos causados pela Covid-19, e 218.223 casos confirmados –o sexto maior índice do mundo.

Sergio Moro, homem-forte do governo, já não é ministro nem aliado. A economia, dizem os economistas, vai encolher quase 5%. O ano letivo é tido como perdido por especialistas. Quatro estados proibiram as pessoas de circularem na rua salvo em emergência.

O país em que Manoel já não vive tampouco tem ministro da Saúde. Nelson Tech, impotente, pediu demissão.

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