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Bolsonaro orienta retirar manifestantes de prédio público sem ordem judicial

Advogados consultados pela reportagem entendem que a orientação do governo federal faz uma interpretação tecnicamente possível da legislação


Por Folhapress Publicado 02/05/2019
Alan Santos (PR)

O governo Jair Bolsonaro (PSL), por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), orientou os órgãos federais a fazer reintegração de posse de imóveis públicos ocupados ou invadidos por manifestantes sem acionar a Justiça.
Antes, os responsáveis pelos prédios pediam à AGU para ajuizar uma ação de reintegração de posse -o que, para o governo, causava demora e interrupção dos serviços nos órgãos ocupados. Agora, segundo a AGU, os gestores deverão chamar diretamente a Polícia Federal para, com o auxílio das polícias estaduais, retirar os manifestantes.
A nova norma tem como base um parecer da Consultoria-Geral da União (um setor dentro da AGU) que foi elaborado no final de 2017, no governo de Michel Temer (MDB), e desengavetado pelo ministro André Mendonça em fevereiro deste ano. A orientação foi elencada pela AGU como uma das principais ações da pasta no início deste governo.
Iniciativa semelhante foi tomada em 2016 pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo, em meio a uma onda de ocupações de escolas estaduais por estudantes.
Na esfera federal, a orientação deve se aplicar, por exemplo, às universidades federais, caso venham a registrar protestos após os cortes de verbas anunciados nesta semana, ou a unidades do Incra e da Funai, palcos comuns de manifestações de sem-terra e de indígenas, respectivamente.
No caso de São Paulo, a orientação para os órgãos estaduais partiu da Procuradoria-Geral do Estado, que atendeu a uma consulta do então secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes -atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal.
A norma paulista foi questionada no STF, e a ação não teve uma análise dos ministros da corte. O relator é o próprio Moraes, que travou o processo, como informou reportagem da Folha de S.Paulo no último dia 23.
Conforme o novo entendimento da AGU, a administração pública federal tem o direito e o dever de atuar para proteger o patrimônio e a continuidade dos serviços.
O parecer invoca o artigo 37 da Constituição, que estabelece que a administração deve obedecer ao princípio da eficiência. Segundo o órgão, para um serviço ser eficiente, ele não pode ser descontinuado.
O parecer cita um decreto-lei de 1946 (nº 9.760) que diz que “o chefe de repartição que tenha a seu cargo próprio [imóvel] nacional não poderá permitir, sob pena de responsabilidade, sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenha sido prescrito”.
Para a AGU, o dispositivo é claro em “imputar responsabilidade ao gestor que permitir, por ação ou omissão, que o prédio público seja invadido”. O parecer, no entanto, não fala em sanções para o gestor que não cumprir a orientação.
Advogados consultados pela reportagem entendem que a orientação do governo federal faz uma interpretação tecnicamente possível da legislação. Mas, na avaliação de Walter Moura, especialista em direito administrativo, a orientação precisa ser analisada caso a caso pelos gestores dos órgãos federais.
“Isso tem que ser usado pelo administrador público com o devido tempero, porque as ocupações pacíficas, de cunho político, são também protegidas constitucionalmente. Quando há lesão ao patrimônio, lesão à continuidade da atividade [do órgão ocupado], realmente tem que usar a força, isso é admitido em lei. Agora, se for uma ocupação pacífica, inteligente, que não atrapalha, pode ser que haja uma atuação abusiva”, pondera.
O parecer da AGU tenta se resguardar de contestações. “Nem se argumente que o poder público estaria a ferir o direito de expressão ou mesmo de manifestação dos invasores, numa atuação aparentemente fora dos princípios democráticos e republicanos”, afirma o texto.
“Na verdade, tais direitos permanecem assegurados mediante a utilização [pelos manifestantes] de outros meios que não prejudiquem a prestação dos serviços públicos”, continua o parecer.
A advogada constitucionalista Vera Chemim afirma que as reintegrações devem ser feitas sem uso de violência e considera que o mais comum e apropriado seja pela via judicial.
De acordo com o parecer da AGU, a responsabilidade pelo comedimento e pela moderação no emprego da força nesses casos é da polícia que tiver sido acionada.
Procurada para informar quais equipes estão aptas a atuar em reintegrações de posse e se já as executa sem mandados judiciais, a Polícia Federal respondeu que “informações sobre quantitativo e movimentação de policiais são de caráter reservado”.
“A Polícia Federal não comenta atos normativos, principalmente de outros órgãos. Sobre a situação hipotética, a PF atua como mero executor da ação e não tem estatísticas sobre esse tipo de atividade”, afirmou, em nota.
Bolsonaro adotou discurso radical na campanha contra movimentos que invadem áreas públicas e privadas.
O então candidato chamou de “bandidos” representantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e disse que as ações desses grupos seriam tipificadas em seu governo como terrorismo.
Nesta semana, ao participar da Agrishow (feira agrícola) em Ribeirão Preto (SP), Bolsonaro disse que enviará à Câmara dos Deputados projeto para isentar de punição proprietários rurais que atirarem em invasores de suas áreas.
“É a forma que nós temos que proceder. Para que o outro lado, que desrespeita a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário”, afirmou à plateia de ruralistas.
O salvo-conduto prometido por Bolsonaro, porém, esbarra na Constituição, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, para quem a medida poderia ser derrubada no Supremo Tribunal Federal.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, disse nesta quarta-feira (1º) que a promessa de um salvo-conduto ainda é uma discussão “prematura”.
“Antes de ter no papel exatamente o que vai se propor, quais são os limites do que vai se propor e tal, é muito prematura essa discussão”, afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan. “Eu, sinceramente, não me sinto confortável em discutir esses assuntos. São questões que eu ainda tenho que falar com o presidente, ouvi-lo, discutirmos e colocar algo sólido no papel”, completou.

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